Por Ruvani Fernandes da Silva*, publicado na Revista Latinoamericana de Enfermagem
“Em 1980, com o episódio da morte do presidente Tancredo Neves, a infecção hospitalar torna-se popular pelo trabalho realizado pela mídia. É nesse período que começam, então, as denúncias das infecções hospitalares, e seus riscos passam a fazer parte do cotidiano da população brasileira, por meio das manchetes dos jornais.
A infecção hospitalar (IH) representa um dos principais problemas da qualidade da assistência médica, um problema econômico devido à importante incidência e letalidade significativa, assim como os custos diretos, além dos custos indiretos, como aqueles representados pela impossibilidade de retorno ao mercado de trabalho e os custos inatingíveis ou difíceis de se avaliar economicamente, como os distúrbios provocados pela dor, mal-estar, isolamento, enfim, pelo sofrimento experimentado pelo paciente.
A ocorrência da IH amplia o prejuízo, saindo da esfera institucional para o próprio paciente e para a sociedade como um todo.
O controle da infecção hospitalar, além de atender às exigências legais e éticas, tornou-se, também, uma necessidade econômica, principalmente em países como o Brasil, no qual os recursos destinados à saúde são extremamente escassos.
O controle da infecção hospitalar encontra-se entre os requisitos mínimos da proposta de acreditação de hospitais para a América Latina e o Caribe.
“A problemática de infecção hospitalar ocupa posição de destaque na medicina atual, exigindo avaliação epidemiológica atualizada e o desenvolvimento de filosofia e prática de atuação que possa, senão resolver, minorar os resultados adversos da disseminação de doença infecciosa adquirida nos hospitais”.
Diante dessa situação, a infecção hospitalar passou a ser vista como um epifenômeno, que serve como importante índice da qualidade da assistência médico-hospitalar, e o serviço de prevenção passou a ser considerado programa prioritário de garantia de qualidade, na área de assistência médica.
O assunto foi tomando outras proporções, até que, após algumas atitudes legislativas e normativas governamentais, o Ministério da Saúde (MS) publicou a Portaria 196, de 1983, que, de forma didática, estabelece critérios para a classificação das infecções hospitalares, obrigando os hospitais a criarem comissão de controle de infecção hospitalar (CCIH), como órgão responsável pela determinação de normas, rotinas e vigilância das infecções hospitalares, normatizando aspectos importantes no controle de infecção, não conseguindo, entretanto, o impacto desejado.
O Ministério da Saúde inicia então, cursos de introdução ao controle de IH, em nível nacional, e cria 44 centros de treinamento, visando capacitar os profissionais da área da saúde. No final da década de 80, formam-se várias associações dos profissionais para estudo e controle das IH: a Associação Paulista de estudos em controle de infecção hospitalar (APECIH), iniciada, como núcleo, em 1982, e transformada em associação em 1987, em São Paulo, a Associação Mineira de estudos em controle de infecção hospitalar (AMECIH), em Minas Gerais, e a Associação Brasileira dos Profissionais em Controle de Infecção Hospitalar (ABIH), fundada em 1987. Essas associações ofereciam cursos básicos e congressos sobre controle de infecção, como, por exemplo, o Curso Internacional de Infecções Hospitalares, financiado pela OPAS/OMS, realizado em Brasília, de 26 a 31 de março de 1984, e o I Congresso Brasileiro sobre Infecção Hospitalar, realizado em São Paulo, em 1989, organizado pela APECIH, etc.
Em 1992, foi promulgada a Portaria 930, do MS, em substituição à Portaria 196, que regulamenta a vigilância e o controle das infecções hospitalares no país. Essa Portaria determina que todos os hospitais mantenham um programa de controle de infecções hospitalares, com um conjunto de ações desenvolvidas, deliberadas sistematicamente, com vistas à redução máxima possível da incidência e da gravidade das infecções hospitalares.Até 1994, não se conhecia a magnitude dos problemas das infecções hospitalares, lacuna essa que começou a ser preenchida pela iniciativa da Coordenação de Controle de Infecção Hospitalar (COCIN), que idealizou, planejou e coordenou o primeiro estudo brasileiro da magnitude das infecções hospitalares em hospitais terciários.
Este estudo contou com uma equipe multidisciplinar de profissionais atuantes em controle de infecção hospitalar (CIH) de todo o país. Para que houvesse uma homogeneização de conceitos relativos à IH, a equipe passou por um treinamento teórico-prático, com o objetivo de que a aplicação do instrumento de coleta de dados e técnica de entrevista tivesse a mesma interpretação.
O MS realiza, além do estudo, uma pesquisa nacional simultânea, com o objetivo de conhecer e avaliar a qualidade das ações em controle de infecção hospitalar.
Os dados encontrados nesses estudos demonstram os riscos que as infecções hospitalares representam para a sociedade brasileira e ratificam os dados do MS de que as infecções hospitalares têm crescido na razão direta das técnicas invasivas, enquanto o conhecimento dos profissionais de saúde sobre as práticas que controlam infecções não acompanham este desenvolvimento.
Pode-se ressaltar que os dados encontrados deixam evidente que a freqüência média de hospitais executando procedimentos de risco corretamente foi de 42,5%. Os resultados revelam que, dentre os procedimentos das quatro topografias que constituem risco para infecção hospitalar, a menor qualidade e freqüência média de ações corretas foi encontrada nos procedimentos da via circulatória (26,5%); os procedimentos com a via urinária foram, em média, executados corretamente (35,0%) e, destes, a rotinização dos procedimentos foi a menos freqüente (9,1%)(7).
Os procedimentos com as vias respiratória tiveram desempenho global (36,9%), também insuficiente para gerar qualidade e evitar infecção hospitalar, a partir de cuidados preventivos durante a instalação e manutenção dos procedimentos.
A freqüência média de hospitais executando procedimentos invasivos corretamente foi de 51,5% em procedimentos cirúrgicos, o uso de antibiótico profilático dentro de critérios adequados, 14,1%, a troca de luvas durante o ato cirúrgico condicionada ao tempo de duração cirúrgica, 22,2%, e a preservação do ambiente cirúrgico, 30,3%. Foram os itens menos encontrados na prática de prevenção das infecções cirúrgicas dos hospitais estudados(7).
O MS divulga novos dados em 1995, os quais apontam uma incidência nacional média de IH de 15,5%, com variância de 14,8% a 16,3% (com limite de confiança de 95%, numa razão de 1,18 infecções por paciente. A avaliação da qualidade das ações de CIH foi realizada com o objetivo de avaliar o desenvolvimento das ações de assistência direta hospitalar e orientar plano de diretrizes brasileiras para essa área. Os resultados mostraram que a média de pontos dos hospitais foi de um terço do máximo esperado (35% ± 17%). O desempenho e as medidas de prevenção das IH, a partir de procedimentos de risco para adquirí-las, é de 42,5%, conforme resultado.
Em 12 de maio de 1998, o MS revoga a portaria 930 e expede a Portaria 2616 que, no âmbito nacional, rege o controle de infecção hospitalar e mantém o Programa de Controle de Infecção hospitalar, sendo que os membros do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) exercem a função de membros executores, e os membros da CCIH passam a ser membros consultores.”
*Publicação do texto autorizada pelo autor.